
Desperdício Alimentar e Economia Circular: como dar a volta ao lixo delicioso

Créditos da fotografia: Andreia Barbosa
Deitar fora comida deixa-nos a todos com uma indigestão de culpa, principalmente quando ressoa na nossa memória a frase “tanta gente a passar fome e tu não comes o que está no prato!”. Para apaziguar o estômago e a consciência, preparamos um chá de boas intenções futuras, mas assim que o caixote do lixo se fecha, dissipam-se os vapores deste problema…
Se os impactos sociais são há muito conhecidos e reconhecidos (mas nunca resolvidos), os impactos económicos foram recentemente estimados pela FAO e pela União Europeia: um terço de toda a produção alimentar humana é desperdício. Na Europa, cerca de 88 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente, com um custo associado de 143 mil milhões de euros. Em Portugal e por ano, 1 milhão de toneladas de alimentos são deitados para o lixo, o que levou à publicação de um conjunto de novas medidas no âmbito da Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar.
E num tempo em que se fala tanto das alterações climáticas, sabia que o desperdício alimentar é responsável por uma emissão de gases de efeito de estufa equivalente à da rede global de transportes terrestres? Segundo a FAO, se o Desperdício Alimentar Mundial fosse um país, seria o terceiro emissor destes gases, logo a seguir à China e aos Estados Unidos, contribuindo para o aquecimento global… Perdeu o apetite?
A situação é, porém, reversível. Reintegrando os resíduos na economia, enquanto recursos, e maximizando a eficiência destes ao longo de toda a cadeia de valor, obtém-se aquilo a que a Economia Circular chama “ciclo fechado”: nada se perde, tudo se transforma, num perpétuo reaproveitamento amigo da natureza. Este modelo económico, que quer pôr fim a todos os tipos de desperdício, constitui um contributo promissor para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para 2030, dos quais uma das metas é “reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita a nível do retalho e do consumidor e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e de abastecimento”.
Para responder a este desafio surgiram em Portugal várias iniciativas que trabalham para evitar os desperdícios ao longo de toda a cadeia de abastecimento alimentar, na exploração agrícola, nas lojas, nos restaurantes:
- A Re-food e a Dariacordar/Zero Desperdício são associações sem fins lucrativos que, voluntariamente, recolhem os alimentos (sobras de refeições, alimentos que se aproximam do fim da data de validade) a partir de uma vasta rede de dadores (supermercados, restaurantes, cafés, hospitais, hotéis) para depois os distribuir pelas famílias carenciadas.
- A cooperativa Fruta Feia trabalha diretamente com os agricultores para escoar as frutas e legumes que não cumprem a Normalização, ou seja, o conjunto das regras de calibre, cor e formato. Ironicamente, esta Normalização foi imposta pela UE, que agora se vê soterrada em produtos que ensinou os consumidores a ver como “esteticamente impróprios para consumo”…
- O GoodAfter.com é “um supermercado online dedicado à venda de produtos que se encontram perto do fim do prazo de consumo preferencial, ou mesmo ultrapassado esse prazo”. Desta forma tenta contrariar uma interpretação generalizada e errónea da expressão «consumir de preferência antes de» como sendo o prazo de validade a respeitar, o que leva a que se deitem fora alimentos comestíveis e seguros. Mais uma vez, a UE terá de clarificar e melhorar a sua própria legislação…
- O projeto Muita Fruta pretende mapear, recuperar, cuidar e usar de modo sustentável as inúmeras árvores de fruto da cidade de Lisboa. Para tal, tem vindo a realizar um conjunto de atividades para combater o desperdício: workshops para podar árvores, confeção de compotas, jantares com chefs, etc.Para que esta lista (não exaustiva) fique mais completa, só falta apostar na tecnologia e criar uma aplicação portuguesa semelhante àTo Good to Go, ResQ Club ou Gebni. Estas aplicações permitem aos restaurantes divulgar online as refeições que não foram vendidas às horas de almoço/jantar e que podem ser adquiridas posteriormente a preços reduzidos.
Ok. Faltamos nós, os consumidores. Cabe-nos a maior fatia, mais de 50% do desperdício alimentar de acordo com os dados da União Europeia. A boa notícia é que podemos reduzir facilmente esta percentagem, poupando dinheiro e protegendo a nossa saúde assim como o ambiente.

Créditos da fotografia: http://fitnfreelife.com/
Tudo isto em 7 simples passos:
1. Planear
2. Comprar
3. Saber
4. Conservar e armazenar
5. Cozinhar
6. Aproveitar
7. Compostar
1. Planear. Defina um menu semanal e elabore uma lista de compras com base no que precisa (ingredientes e quantidades) e no que já tem em casa (frigorífico, despensa). Assim, evitará fazer compras de impulso e poderá estabelecer menus mais equilibrados e variados… e escusa de passar pelo stress habitual que se segue à pergunta: “E agora o que é que eu faço para o jantar?”
2. Comprar. Sempre que possível, compre produtos:
– a granel: será mais fácil comprar as quantidades que realmente precisa, sem excedentes e sem embalagens;
– locais: para além de serem mais frescos e nutritivos, evitam-se os desperdícios e a poluição decorrentes do transporte de longa distância);
– biológicos: uma vez que são produzidos sem pesticidas, poderá aproveitar a totalidade do produto, incluindo as cascas, onde se acumulam os nutrientes (mas também os pesticidas…);
– feios e deformados: a qualidade é a mesma e o preço pode ser menor!
3. Saber. Há dois tipos de prazos de validade: “Consumir até…” aplica-se a produtos perecíveis e é para ser levado à letra, já que consumi-los após esse prazo de validade é um risco para a saúde. “Consumir de preferência antes de…” aplica-se a produtos não perecíveis, embalados e enlatados e, tal como está na descrição, é uma “preferência”; não é imediatamente lixo e é seguro consumi-los depois desta data.
No caso das promoções “leve 2 pague 1” aplicado a produtos no fim da validade, avalie se precisa mesmo de mais quantidade ou se o barato irá sair caro…
4. Conservar e armazenar. Ao abastecer o seu frigorífico ou despensa:
– verifique a temperatura do frigorífico (1 a 5º C) e a temperatura do congelador (-15 a -18ºC);
– cumpra as instruções das embalagens dos produtos;
– faça a rotação correta dos produtos – se comprar um novo produto coloque-o atrás do mais antigo (frigorífico, despensa), para que este seja o primeiro a ser utilizado; evitará assim tanto a formação de bolores como a utilização do produto com prazo mais longo em detrimento do produto com a validade mais curta.
5. Cozinhar. Ao preparar as suas refeições, assegure-se de que confeciona doses adequadas ao seu agregado familiar, para que não haja sobras ou excedentes; ou, caso não possa cozinhar todos os dias, faça quantidades para mais do que uma refeição e congele por doses. Na altura de servir, opte por pequenas porções: comer em demasia prejudica a saúde e conduz ao desperdício; e poderá sempre repetir se o desejar…
6. Aproveitar. No caso de se verificarem sobras ou excedentes:
– guarde-as no frigorífico, preferencialmente dentro de um recipiente de vidro transparente (poderão conservar-se até 3 dias) e terá marmita para o dia seguinte;
– congele pão às fatias, ervas aromáticas em cuvetes com azeite, fruta madura para fazer gelados ou batidos…
– faça caldos, compotas, pickles, smoothies… existem mil e uma receitas para aproveitamento de sobras, gratuitas e à distância de um clique.
7. Compostar. Se for possível, faça composto em casa ou sugira à sua junta de freguesia ou câmara municipal que aposte na compostagem comunitária (com a ajuda do ComBOA!).
Para além de tudo isto, pode juntar o útil ao agradável e desafiar os seus amigos para uma Disco Soup caseira!
(Artigo publicado em Circular Economy Portugal, 2 e 8 Fevereiro 2017)